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quarta-feira, 4 de março de 2009

Parto em casa na revista Gingko


Quando engravidou pela segunda vez, aos 39 anos, a fotógrafa e designer Susana Rapazote tinha uma certeza: não ia dar à luz Sofia, hoje com nove meses, num hospital perfumado a éter com médicos e enfermeiras desconhecidos a entrar e sair de uma sala de partos hiper-iluminada, congestionada e ruidosa. Também recusava a ideia de receber oxitocina, hormona utilizada para acelerar as contracções uterinas, e, muito menos, a epidural, anestesia induzida através de um cateter em membranas que rodeiam o tubo neural onde se encontra a espinal medula. Queria experienciar a maternidade no auge da sua lucidez, e acreditava não só nas suas capacidades psicológicas, mas também físicas para o fazer.

Diogo, o primeiro filho, nascera de cesariana, que, acredita, não ter era de todo necessária. "Deixaram-me estar em trabalho de parto cerca de 30 horas, o que já foi excepcional, mas como as águas rebentaram e havia indícios de que se podia desenvolver uma infecção, já nada pude fazer. Isto apesar de ainda sentir força e energia para aguentar as contracções,". Ainda assim, reconhece, a equipa foi extraordinariamente humana e deixou-a ver o bebé de imediato, o que nem sempre acontece. Um detalhe: a médica que a assistiu era defensora acérrima do parto natural. A recuperação física foi excelente, mas psicologicamente Susana não reagiu bem. "Reconheço a importância das cesarianas, mas sabia que o meu corpo conseguia parir. Apesar de o bebé ser grande, também eu sou larga. E, de qualquer modo, não acredito na incompatibilidade feto-pélvica".
Glória Charrua, parteira profissional há mais de 40 anos, que abandonou os hospitais civis e clínicas privadas por considerar os processos nas salas de parto excessivamente mecânicos, confirma: "Já fiz nascer bebés com mais 4 quilos e sem qualquer tipo de laceração para a mulher. Leva mais tempo, é verdade. E o problema é que os médicos são formados para tratar, não para esperar. E eu acredito que cada mulher e cada criança têm a sua hora". Desta vez mais providente, Susana não hesitou: teria a filha em casa. "Gostava que em Portugal, tal como em Inglaterra, houvesse casas de parto, onde as mulheres encontrassem todas as condições médico-sanitárias para darem à luz com privacidade, na companhia das pessoas que lhes são importantes, na posição que lhes é mais confortável, e sem recurso a intervenções forçadas". Na impossibilidade de recorrer a este serviço, optou por transformar a cozinha - para si símbolo da união familiar - na sua sala de partos privada. Isto depois de convencer o marido, de início receoso, mas que, depois de pesar os prós e os contras, a apoiou a cem por cento.
Esta decisão pode ser olhada com desdém por muita gente, mas a Organização Mundial de Saúde considera ser seguro, no caso de uma gestante de baixo risco, fazer o parto em casa, desde que disponha de assistência viável e segura. Por não se tratar de uma intervenção cirúrgica não implica um ambiente esterilizado mas sim higiénico. E o risco de infecção chega mesmo a ser inferior ao dos hospitais, onde proliferam germes a que a mulher não está habituada. Optar pelo parto domiciliário não é, porém, sinónimo de desprezo pela medicina convencional. Ao longo da gravidez Susana fez os exames recomendados pela médica obstetra, e criou um processo no hospital da sua zona de residência para salvaguardar a bebé e a ela própria, caso algo não corresse como suposto. Mas Sofia nasceu saudável nos seus quatro robustos quilos após 16 horas de trabalho de parto. Este foi aliviado por longos banhos de água morna, e por massagens na zona lombar realizadas pela mãe e pelo marido.
Apesar de ter sido obrigada a recorrer aos serviços do hospital para ser suturada - e onde não foi particularmente bem acolhida -, Susana não hesita em afirmar: "Com as devidas condições de confiança e intimidade, asseguro que estas não são as mais insuportáveis dores do mundo". Glória Charrua confirma: "A dor não é tão intensa quanto fazem crer. A maioria das minhas parturientes não grita, algumas até dormitam entre as contracções. Além de que a passagem dos bebés pelo canal vaginal faz com que a mãe esqueça de seguida, quase por milagre, o sofrimento anterior". Susana tinha outro ponto a favor: a presença tranquilizadora de Ângela, a sua "doula" - nome que se dá à mulher que acompanha a grávida, preferencialmente ao longo de dois ou três meses, fornecendo informações práticas ou de ordem científica. Está sempre presente para transmitir confiança, favorecendo o desenrolar do parto fisiológico. Não exerce actos médicos, mas é muitas vezes comparada a uma epidural natural.
A IMPORTÂNCIA DA LOGÍSTICA
Antónia Soares, professora de ioga, também optou pelo parto domiciliário. Só aos seis meses de gestação assumiu a decisão. Até lá o instinto que a compelia a dar à luz em casa era contrariado pela sua formação científica (é formada em Biologia). Partiu, então, para a pesquisa bibliográfica. Deparou-se, provavelmente, com estudos como os de Katherine Hartmann, investigadora na Universidade da Carolina do Norte, reveladores de que nos EUA, todos os anos, cerca de 1 milhão de mulheres são submetidas desnecessariamente a episiotomias (corte vaginal feito para que o bebé possa nascer mais rapidamente). A prática é desaconselhada pela Organização Mundial de Saúde, mas realizada regularmente também nos hospitais portugueses. É provável que Antónia tenha igualmente passado os olhos pelo estudo feito a cerca de 5.000 partos acompanhados por parteiras formadas nos EUA e Canadá e que demonstrou que os partos domiciliares, quando comparados aos hospitalares, tiveram menor taxa de intervenções médicas e a mesma segurança que estas em relação à mortalidade materna e neonatal - publicado, em 2005, pelo British Medical Journal.
Surpreendente? Para a doula Catarina Pardal, formada em Educação Física e professora de pilates para grávidas, nem por isso. "As mulheres têm capacidade inata para ter filhos. Só precisam de acreditar, sentir-se apoiadas e, claro, não serem medicadas", afirma. "Ao receberem oxitocina, por exemplo, as contracções tornam-se tão fortes que, se perdem o controlo, as parturientes pedem a epidural, mesmo que não a desejassem previamente. Neste caso, é natural que qualquer mãe perca os seus instintos, o que leva ao aumento de partos instrumentalizados e cesarianas".
Tudo o que Antónia queria evitar. Desde o início da gravidez que se portou "como uma verdadeira samurai", conta. Além dos exames médicos rotineiros, seguiu um plano alimentar macrobiótico - com direito a alguns deslizes - e montou uma prática de ioga. O objectivo: mobilizar a articulação coxo-femural, revitalizar o organismo, relaxar e criar espaço na zona abdominal, através de posições invertidas - um mimo extra para a pequena Ema, hoje uma bebé de 18 meses saudável, irrequieta e sorridente. Considera-se privilegiada: "Ao contrário da maioria das mulheres tive tempo para preparar a chegada da minha primeira filha em casa. É um processo moroso que requer alguma logística e até meios financeiros. Não basta querer, é preciso poder".
Resultado: aos 36 anos foi abençoada com um parto intenso, mas com apenas quatro horas de duração. Contou com a ajuda do companheiro e de Catarina, a sua doula. "Companhia indispensável ao longo de meses, porque a minha mãe e irmãs vivem no Porto e eu em Lisboa". Quando chegou, a parteira já só aparou a bebé. Quanto a Antónia, não teve de levar qualquer ponto - ajudou o facto de a bebé pesar apenas 2,7 quilos - e, passada uma semana, fazia a sua vida normal. "Senti-me em sintonia com a Ema e a natureza; fizemos um excelente trabalho juntas", recorda. "Não vou dizer que se tratou de um parto sem dor, mas foi maravilhoso".
O PARTO É UM ACTO NATURAL
Apesar dos benefícios enunciados, o parto domiciliário não é indicado para todas as mulheres. Glória Charrua, por exemplo, não aceita parturientes com problemas ginecológicos, cardíacos graves ou hematológicos. Neste último caso, devido ao alto risco de se desenvolverem hemorragias. De resto, mesmo quando o bebé teima em não dar a volta, sabe que existem soluções menos ortodoxas, tais como a acupunctura. Aprendeu esse mundo de novas possibilidades com as suas pacientes, na sua maioria ligadas às medicinas alternativas. Também não se assusta com circulares (quando o cordão umbilical se enrola no pescoço do bebé). A experiência ensinou-lhe que no período expulsivo é possível contornar a situação.
e já foi obrigada a levar alguma mulher para o hospital? Sim, mas em situações de excepção. "Se as águas rebentam e passam mais de 12 horas sem que o trabalho de parto se desenvolva, não arrisco", diz. "Vou monitorizando o foco do bebé e consigo perceber se entra ou não em sofrimento, mas prefiro seguir as indicações médicas". O único caso fatal no seu longo historial de parteira aconteceu quando uma parturiente não lhe comunicou uma doença ginecológica de que padecia. Ainda hoje a voz de Glória treme quando recorda o incidente.
A voz treme, mas não lhe abala a confiança. A mesma que deixou Rita Rodrigues tranquila quando, grávida e recém-chegada das Ilhas Canárias, procurava desesperadamente alguém que a ajudasse a fugir dos hospitais, onde sabia que nunca receberia a atenção que, como terapeuta de Florais de Bach (método natural de cura ou de restabelecimento de equilíbrio e de harmoniaatravés de essências de flores), faz questão de oferecer aos seus pacientes. "A D. Glória conhece o corpo da mulher como ninguém", conta Rita. "E, tal como eu, acredita que a lógica actual dos hospitais é a do controle e da emergência, enquanto que em casa é a da segurança, não há lugar para o medo".
O parto de Rita ocorreu depois das 40 semanas recomendadas pelos médicos. "Se não fosse em casa provavelmente teria sido induzido", comenta. E teria resultado em cesariana porque levou mais do que um dia a terminar, após as primeiras contracções. Tempo suficiente para tomar banhos mornos, ouvir música baixinho, caminhar um pouco, e dormitar entre as contracções - ora sentada, ora recostada. Até que estas se tornassem violentas. "É muito importante saber que há tempo para descansar entre uma e outra contracção - a maioria das mulheres não tem essa informação. E, quando pensamos não ser possível aguentar mais, é porque estamos próximas do período expulsivo", explica Rita. Após 16 horas de trabalho de parto efectivo a sua filha nasceu, com 3,9kg. Numa próxima gravidez nada mudaria no processo, a não ser a alimentação. "Farei dieta, porque teria sido mais fácil se a Iara fosse mais pequena". De resto só consegue descrever a experiência como algo sagrado. "Procurava um caminho que se pode dizer mais animal, intuitivo e próximo da natureza". Alcançou-o. Recorda-se da onda de magia que invadiu a casa da mãe, onde teve a bebé, dos irmãos a sussurrar, emocionados, e dos mimos que lhe ofereceram dias a fio. Não tem qualquer dúvida: tanto o amor que recebeu quanto a dor que ultrapassou com a coragem que até aí desconhecia tornaram-na num ser humano muito mais forte.
A Organização Mundial de Saúde aconselha
- O respeito da escolha da mãe sobre o local do parto, após ter recebido as necessárias informações;
- A oferta à mulher de todas as informações e explicações de que ela necessite ou deseje;
- A liberdade de posição e movimento durante o trabalho de parto;
- O contacto precoce pele a pele entre a mãe e o bebé e o início da amamentação na primeira hora pós-parto.
A Organização Mundial de Saúde desaconselha
- O uso rotineiro do clister e a raspagem dos pelos púbicos;
- O uso rotineiro da posição deitada, com ou sem estribos, durante o trabalho de parto ;
- O uso liberal ou rotineiro de episiotomia;
- Os esforços de puxo prolongados e dirigidos durante o período expulsivo (manobra de Vasalva);
- A correcção da dinâmica do trabalho de parto com a utilização de oxitocina.

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